PERANTE DEUS (meio ambiente) QUALQUER GIGANTE (direito de propriedade) TOMBA. Depende.
- Advocacia Renato Cunha
- 4 de jun. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 15 de jun. de 2021

O direito de propriedade não é absoluto e submete-se, inclusive, às restrições e imposições ambientais, que são direitos indisponíveis, coletivos e constitucionais. Ainda que a esta proteção legal às áreas de preservação permanente não impliquem vedação absoluta ao direito de propriedade, não resultam em hipótese de desapropriação, tão somente configuram limitação legal/administrativa.
Os proprietários de imóveis ambientalmente irregulares também não se socorrem pelos seus ditos “Direitos Adquiridos” ou pela “Teoria do Fato Consumado (1)”. Eles respondem pelos crimes ambientais que deram, dão ou darão causa, mesmo diante de licenças e concessões públicas, ainda que antecipadas e autorizadoras, aqui configuradas com vício originário e plenamente nulas, quando constatada a degradação de meio ambiente legalmente protegido.
Estes crimes ambientais são imprescritíveis e recuperar o ecossistema degradado e/ou indenizar os danos causados é obrigação/dever por se tratar o meio ambiente de bem de uso comum do povo (art. 225, caput, da CF/1988). Os atuais detentores do patrimônio natural são meros guardiões das riquezas naturais e não construídas por eles.
Todos os crimes ambientais são de ação penal pública incondicionada e o Ministério Público, instigado por qualquer um do povo, ou de ofício, procederá à apuração do dano (art. 70, § 2º, da Lei n. 9.605/81) e será levado a uma “audiência de transação penal” conforme art. 76, da Lei n. 9.099/95. Este ordenamento jurídico, também recepcionado pela Lei n. 9.605/98, prevê a possibilidade de composição do dano pela transação penal e suspensão condicional do processo.
Pelo critério da “Especialidade (2)” em contraposição ao determinado na Lei do parcelamento do solo, a norma contida no Código Florestal garante a mais ampla e eficaz proteção ao meio ambiente, tanto em áreas rurais quanto em áreas urbanas.
O Código Florestal, norma especial, instituído pela Lei 12.651/12, em seu Art. 8º expressa que “A intervenção ou a supressão de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente somente ocorrerá nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental”.
Este último quesito do art. 8º, do Código Florestal, o de baixo impacto ambiental, é regulamentado pela Resolução CONAMA 369/2006, em seu art. 11, § 2º, onde define que a supressão em APP para ser considerada "eventual e de baixo impacto ambiental", não pode exceder o percentual de 5% (cinco por cento) da área impactada.
Corroborando o exposto, o Superior Tribunal de Justiça, ao fixar seu tema nº 1010, o fundamentou conforme segue:
“Na vigência do novo Código Florestal (Lei n° 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu artigo 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade".
Decidiu também por não modular os efeitos da decisão sob a justificativa de que não havia "surpresa ou guinada jurisprudencial a justificar a atribuição de eficácia prospectiva ao julgamento".
Se por um lado a tese fixada pelo STJ traz a devida segurança jurídica para os projetos e empreendimentos urbanos futuros, por outro cria insegurança jurídica àqueles já aprovados e edificados.
Resumindo, todas as construções anteriormente aprovadas pelos órgãos ambientais com recuo de 15 metros das margens d’água em área urbana, ao invés dos limites impostos pelo código florestal de no mínimo 30 metros, agora se encontram em risco podendo ser declarados retroativamente como irregulares.
Implica também dizer que órgãos ambientais de defesa do meio ambiente possam vir buscar judicialmente a demolição de edificações em desconformidade com o código florestal.
Contudo, encontrarão sentenças e acórdãos contrários, fundamentados nas necessárias mitigações à aplicação do Código Florestal em respeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da segurança jurídica e da moradia.
Esta relevância dos direitos humanos em detrimento da proteção ambiental é refutada inclusive pelo Pacto de São José da Costa Rica, que estabelece o dever de proteção aos recursos naturais como forma de garantir a qualidade de vida, tal qual se extrai da inteligência do art. 26:
Art. 26 – Desenvolvimento progressivo. Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa.
Concluindo, as normas ambientais devem atender aos fins sociais a que se destinam, e necessitam serem interpretadas de acordo com o princípio hermenêutico “in dubio pro natura (3)", já que sem a natureza não existiria dignidade humana ou moradia. Mas será este um princípio também absoluto?
Creio que não e exemplifico: Imaginem várias edificações consolidadas a décadas, respeitando as autorizações ambientais de distanciamento de 15 metros do curso d'água, agora terem que ser demolidas por não terem respeitado o mínimo de 30 metros. Onde seriam depositados todos os entulhos que não na própria natureza e causando a ela maior mal do que bem? E as pessoas que ali alicerçaram suas existências? Parece um paradoxo em enfrentamento por muitos especialistas e políticos que em breve resolverão esse impasse (PL 3729/2004; Decreto 6514/08 e outros). Aguardemos.
(1) Súmula 613 STJ - Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental;
(2) Norma especial prevalece sobre norma geral;
(3) Tema conflituoso e paradoxal, que será tratado em outro momento e com toda a especificidade que merece, face à visão antropocentrista constitucional, já declarada pelo STF. Em minha humilde opinião, ciente da importância da dignidade humana, aplicada em prol do povo brasileiro, soberano que é, a proteção ao meio ambiente justamente protege o bem estar do povo e garante às gerações futuras o usufruto de nossos bens naturais. Então, qual tutela jurídica fundamental, ambiental ou populacional, a principal a ser protegida? Ao meu ver são ambas, em estrita simbiose e dependência. Mas isto será tema para um outro momento.
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